Imagine a seguinte situação
adaptada:

A Polícia Civil estava
investigando uma organização criminosa e pediu a interceptação telefônica dos
investigados.
O pedido foi apreciado e deferido
pelo Juiz da Vara de Central de Inquéritos Criminais da Capital, que é competente
para a medida segundo a Lei de Organização Judiciária do Estado.
Após serem realizadas as
interceptações e concluída a investigação, o Ministério Público ofereceu
denúncia contra os envolvidos.
A denúncia foi distribuída para
uma das Varas Criminais da Capital, tendo sido sorteada a 5ª Vara Criminal da Capital.
Vale ressaltar que, segundo a Lei
de Organização Judiciária do Estado, a Vara de Central de Inquéritos Criminais
não tem competência para julgar ações penais, sendo responsável apenas por
apreciar as medidas cautelares do inquérito.
O Juiz da 5ª Vara recebeu a
denúncia e, ao final da instrução, condenou os réus.
A defesa alegou que houve
nulidade na decisão que deferiu as interceptações, considerando que esta
deveria ter sido proferida pelo Juiz da Vara Criminal que é o competente para
julgar a ação penal.
A tese da defesa, portanto, foi a
de que o Juiz que defere a interceptação deve ser aquele que será competente
para julgamento do processo criminal. No caso em tela, um Juiz fica responsável
apenas pelas medidas cautelares deferidas no Inquérito Policial, dentre elas a
interceptação telefônica. Na visão dos advogados, isso violaria o art. 1º da
Lei nº 9.296/96, que diz o seguinte:
Art. 1º A interceptação de
comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação
criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e
dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de
justiça.
A tese da defesa foi aceita pelo
STF?

NÃO.
O
art. 1º da Lei nº 9.296/96 não fixa regra de competência, mas sim reserva de
jurisdição para quebra do sigilo das comunicações. Em outras palavras, ele não
trata sobre qual juízo é competente, mas apenas quer dizer que a interceptação
deve ser decretada pelo magistrado (Poder Judiciário).

Segundo
o entendimento do STF, admite-se a divisão de tarefas entre juízes que atuam na
fase de inquérito e na fase da ação penal. Assim, um juiz pode atuar na fase
pré-processual decretando medidas que dependam da intervenção do Poder Judiciário,
como a interceptação telefônica, mesmo que ele não seja o competente para
julgar a ação penal que será proposta posteriormente.

STF. 2ª Turma. HC 126536/ES, Rel.
Min. Teori Zavascki, julgado em 1º/3/2016 (Info 816).
É perfeitamente possível que a
Lei Orgânica especialize a Vara de Inquéritos Criminais para a realização de
providências anteriores ao oferecimento da denúncia, aí se compreendendo todas
as medidas jurisdicionais dessa fase. Trata-se de medida lícita e até
recomendável, por tornar mais fortes as garantias de imparcialidade do processo
acusatório.
Este também é o entendimento do
STJ:
(…) 1. O art. 50, I,
“e” da LC nº 234/2002, especializou a Vara de Inquéritos Criminais
para o acompanhamento judicial e de garantias na fase investigatória, nesse
limite compreendendo-se as questionadas decisões de quebra do sigilo
telefônico.
2. A especialização de
varas é forma de racionalização do trabalho jurisdicional e, tratando-se de
separação da fase investigatória, inclusive salutar à garantia da
imparcialidade do juiz das garantias, que não atuará na no juízo da culpa, com
valoração das provas no feito criminal contraditório.
3. A previsão contida no
art. 1º da Lei nº 9.296/96 é simples reiteração da regra geral de que as
medidas cautelares são solvidas pelo juízo competente para a ação principal, e
não determinação de diferenciado tratamento de competência para a quebra do
sigilo telefônico.
4. Nenhuma nulidade há na
deliberação sobre cautelares e jurisdição de garantias por magistrado da Vara
de Inquéritos, que como tal não atuará na futura ação principal. (…)
STJ. 6ª Turma. RHC
49.380/ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 04/11/2014.
(…) Tem-se, no art. 1.º
da Lei n.º 9.296⁄96, que “[a] interceptação de comunicações telefônicas,
de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução
processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz
competente da ação principal, sob segredo de justiça”. Tal regra não
impede, entretanto, o deferimento de autorização de referida diligência por
Juízo diverso daquele que veio a julgar a ação penal, quando concedida ainda no
curso das investigações criminais. (…)
STJ. 5ª Turma. HC
122.456/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 05/04/2011.

Artigo Original em Dizer o Direito

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