Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada ontem (25/04/2019) a Lei Complementar nº
167/2019, que dispõe sobre a Empresa Simples de Crédito (ESC) e instituiu o
Inova Simples.

Neste artigo irei analisar apenas o regime jurídico da
Empresa Simples de Crédito (ESC). Em outro post, examinei os principais
aspectos do Inova Simples.

EMPRESA SIMPLES DE
CRÉDITO (ESC)

A LC 167/2019 autorizou que as pessoas naturais ou jurídicas
constituam empresas simples de crédito. Vamos entender melhor.

O que é a Empresa Simples de Crédito?

A Empresa Simples de Crédito (ESC) consiste em…

– uma “empresa”

– constituída por pessoa naturais

– com a finalidade de…

– conceder empréstimos,

– realizar financiamentos ou

– fazer o desconto (“compra”) de títulos de crédito,

– prestando esses serviços em favor de…

– microempreendedores individuais,

– microempresas e

– empresas de pequeno porte.

A ESC é, portanto, uma empresa que empresta dinheiro para microempreendedores
individuais, microempresas e empresas de pequeno porte.

Finalidade da lei

As atividades desempenhadas pela ESC já podiam ser
realizadas pelas instituições financeiras. No entanto, o legislador previu a
figura da ESC porque os microempreendedores individuais, microempresas e
empresas de pequeno porte encontram muita dificuldade de conseguir linhas de
crédito junto aos bancos.

Assim, o objetivo da criação da ESC foi o de facilitar a
obtenção de crédito por parte desses empresários.

Âmbito municipal ou distrital

A ESC possui âmbito municipal ou distrital. Isso significa
que a ESC atua exclusivamente no Município de sua sede e em Municípios
limítrofes.

Se for uma ESC localizada no Distrito Federal, ela poderá
atuar em todo o Distrito Federal e em Municípios limítrofes de outros Estados (ex:
Luziânia/GO). Isso porque o Distrito Federal não é dividido internamente em
Municípios (art. 32 da CF/88).

Vale ressaltar que, apesar disso não estar expresso na lei,
a ESC não pode ter filiais em outros Municípios porque seria uma forma de
burlar a atuação municipal da empresa.

É possível que uma pessoa natural seja sócio de duas ESCs?

NÃO. A mesma pessoa natural não poderá participar de mais de
uma ESC, ainda que localizadas em Municípios distintos ou sob a forma de
filial.

É possível que uma pessoa natural seja sócia de uma ESC e de uma
factoring?

SIM. Não há qualquer vedação nesse sentido.

Atividades desenvolvidas pela ESC

• empréstimo

• financiamento e

• desconto de títulos de crédito.

O objeto social da ESC deverá ser exclusivamente essas
atividades.

Vale ressaltar que o desconto de títulos consiste, na
verdade, em uma operação de empréstimo no qual o título de crédito servirá como
“garantia” para a ESC.

Assim, podemos resumir as atividades da ESC em uma só:
conceder crédito.

Recursos próprios

A ESC somente pode realizar suas atividades (empréstimo,
financiamento e desconto de títulos de crédito) com recursos próprios. Em
outras palavras, não pode emprestar dinheiro de terceiros.

Nesse ponto, ela se diferencia das instituições financeiras
porque estas podem fazer a captação, intermediação ou aplicação de recursos
financeiros de terceiros.

Contrapartes (pessoas com quem a ESC pode celebrar os contratos)

A ESC somente pode ter como clientes:

• microempreendedores individuais

• microempresas e

• empresas de pequeno porte, assim definidas conforme a LC
123/2006 (Lei do Simples).

Forma empresarial

A ESC somente pode adotar a forma de:

• empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI);

• empresário individual ou

• sociedade limitada constituída exclusivamente por pessoas
naturais.

Nome empresarial

O nome empresarial da ESC deverá conter a expressão “Empresa
Simples de Crédito”.

Não pode utilizar a palavra “banco”, “instituição financeira”, “caixa
econômica” etc.

A ESC não pode utilizar em seu nome empresarial ou em qualquer
outro texto de divulgação de suas atividades, a expressão “banco” ou qualquer outra
nomenclatura que seja empregada para identificar as instituições autorizadas a
funcionar pelo Banco Central do Brasil.

O objetivo é evitar confusões. A ESC não é uma instituição
financeira.

Capital social

Não existe um capital social mínimo para a ESC.

No entanto, o valor total das operações de empréstimo, de
financiamento e de desconto de títulos de crédito da ESC não poderá ser
superior ao capital realizado. Assim, se a ESC tiver um capital social de R$
800 mil, o valor total das operações que realizar não poderá ultrapassar
esse valor.

O capital inicial da ESC e os posteriores aumentos de
capital deverão ser realizados integralmente em moeda corrente. Isso significa
que o capital social da ESC somente poderá ser integralizado em dinheiro,
jamais em outros bens (ex: carro, imóvel etc).

Vedações

É vedada à ESC a realização de:

1) qualquer CAPTAÇÃO DE RECURSOS, em nome próprio ou de
terceiros. Isso porque essa atividade é própria das instituições financeiras.

Em caso de descumprimento desta vedação, os responsáveis
pela ESC poderão ser acusados do crime previsto no art. 16 da Lei nº 7.492/86:

Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com
autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira,
inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:

Pena – Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.

2) OPERAÇÕES DE CRÉDITO, na qualidade de credora, com
entidades integrantes da administração pública direta, indireta e fundacional
de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.

Em caso de descumprimento desta vedação, os responsáveis
pela ESC poderão ser acusados do crime previsto no art. 9º da LC 167/2019, que
será visto mais a frente.

Receita bruta anual

A receita bruta anual da ESC não poderá exceder o limite de
receita bruta para Empresa de Pequeno Porte (EPP) definido na LC 123/2006 (Lei
do Simples Nacional): até R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil
reais).

Considera-se receita bruta a remuneração auferida pela ESC
com a cobrança de juros, inclusive quando cobertos pela venda do valor do bem
objeto de alienação fiduciária.

Condições

Ao realizar suas operações de empréstimo, financiamento e
desconto de títulos de crédito, a ESC deverá observar as seguintes condições:

I – a remuneração da ESC somente pode ocorrer por meio de juros remuneratórios, vedada a cobrança de quaisquer outros
encargos, mesmo sob a forma de tarifa;

II – a formalização do contrato deve ser realizada por meio
de instrumento próprio, cuja cópia deverá ser
entregue à contraparte da operação;

III – a movimentação dos recursos deve ser realizada
exclusivamente mediante débito e crédito em contas de
depósito de titularidade da ESC e da pessoa jurídica contraparte
na
operação.

Alienação fiduciária (importante!)

A ESC poderá utilizar o instituto da alienação fiduciária em
suas operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de
crédito.

Bancos de dados da ESC

A ESC deverá providenciar a anotação, em bancos de dados, de
informações de adimplemento e de inadimplemento de seus clientes, na forma da
legislação em vigor.

Registro das operações da ESC

A ESC deverá fazer o registro das operações que realizar,
registro esse feito em uma entidade registradora autorizada pelo Banco Central
ou pela Comissão de Valores Mobiliários.

Esse registro é condição de validade das
operações realizadas pela ESC, ou seja, caso não seja feito, tais operações são
nulas.

Para fins estatísticos e de controle macroprudencial do
risco de crédito, o Banco Central pode ter acesso a essas informações
registradas, não constituindo isso violação ao dever de sigilo.

Limitações dos juros

A ESC é remunerada por meio de juros remuneratórios, vedada
a cobrança de quaisquer outros encargos, mesmo sob a forma de tarifa.

Em outras palavras, o único valor que a ESC pode exigir das
pessoas com que ela contratar são os juros remuneratórios.

É preciso chamar a atenção para um ponto muito importante.

A Lei da Usura (Decreto nº 22.626/33) e o art. 591 do Código
Civil estabelecem algumas limitações à cobrança de juros:

Lei da Usura

Art. 1º É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular
em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (…)

Código Civil

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se
devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que
se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.

Assim, por exemplo, se um particular vai fazer um mútuo feneratício
(empréstimo de dinheiro a juros), ele não pode cobrar juros superiores à taxa
de juros legais (art. 406 do CC). A taxa de juros legais é a SELIC.

As limitações de juros previstas na Lei da Usura e no art. 591 do CC
são aplicáveis às instituições financeiras?

NÃO. O STJ possui o entendimento de que os juros
remuneratórios cobrados pelos bancos não estão sujeitos aos limites impostos
pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), pelo Código Civil ou por qualquer
outra lei. Em outras palavras, não existe lei limitando os juros que são
cobrados pelos bancos (STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 22/10/2008).

Existe também uma súmula antiga do STF que afirma isso:

Súmula 596-STF: As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se
aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações
realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema
financeiro nacional.

Diante da ausência de lei que imponha limites aos juros
cobrados pelas instituições financeiras, o STJ construiu a seguinte regra: os
juros cobrados pelos bancos devem utilizar como índice a taxa média de mercado,
que é calculada e divulgada pelo Banco Central (BACEN) em sua página na
internet.

As limitações de juros previstas na Lei da Usura e no art. 591 do CC
são aplicáveis às empresas simples de crédito?

Também NÃO. Tais limitações não se aplicam à ESC, conforme
prevê expressamente o art. 5º, § 4º da LC 167/2019:

Art. 5º (…)

§ 4º Não se aplicam à ESC as limitações à cobrança de juros
previstas no Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933 (Lei da Usura), e no art.
591 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

Assim, se a ESC for realizar um empréstimo (mútuo), assim
como ocorre com as instituições financeiras, ela não precisa obedecer às regras
da Lei de Usura e do art. 591 do Código Civil.

Juros compensatórios

O art. 5º, I, da LC 167/2019 estabelece o seguinte:

Art. 5º Nas operações referidas no art. 1º desta Lei
Complementar, devem ser observadas as seguintes condições:

I – a remuneração da ESC somente pode ocorrer por meio de juros
remuneratórios, vedada a cobrança de quaisquer outros encargos, mesmo sob a
forma de tarifa;

(…)

Com base nessa previsão, podemos dizer que a ESC está
proibida de cobrar juros moratórios?

O tema é polêmico, mas penso que a resposta é não.

É preciso relembrar inicialmente a diferença entre os juros
moratórios e os juros compensatórios.

Juros
compensatórios (remuneratórios)

Juros
moratórios

São pagos pelo devedor como
uma forma de remunerar (ou compensar) o credor pelo fato de ele ter ficado
privado de seu capital por um determinado tempo.

São pagos pelo devedor como
forma de indenizar o credor quando ocorre um atraso no cumprimento da
obrigação.

Está previsto no art. 395 do
CC.

É como se fosse o preço pago
pelo “aluguel” do capital.

É como
se fosse uma sanção (punição) pela mora (inadimplemento culposo) na devolução
do capital.

São devidos pelo simples
atraso, ainda que não tenha havido prejuízo ao credor (art. 407 do CC).

Ex: o microempreendedor
individual precisa de dinheiro emprestado e vai até uma ESC, que dele cobra
um percentual de juros compensatórios como forma de remunerar a empresa por
esse serviço.

Ex: o microempreendedor
individual pactuou com a ESC efetuar o pagamento do empréstimo no dia 10.
Ocorre que o devedor somente conseguiu pagar a dívida no dia 20. Logo, além
dos juros remuneratórios, terá que pagar também os juros moratórios, como
forma de indenizar a instituição por conta deste atraso.

Desse modo, penso que é possível sim que a ESC cobre juros
moratórios e correção monetária em caso de atraso no pagamento do empréstimo ou
financiamento. Isso porque o art. 395 do Código Civil é perfeitamente aplicável
para a relacional obrigacional celebrada entre a ESC e a contraparte:

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der
causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais
regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Assim, entendo que o inciso I do art. 5º refere-se,
portanto, ao período de normalidade contratual, ou seja, para o caso de as
partes estarem cumprindo regularmente suas obrigações. Em caso de
inadimplemento, deve-se recorrer aos dispositivos da legislação civil que
tratam sobre a mora.     

Em provas de concurso, contudo, recomendo que fique com a
redação literal do art. 5º, I, da LC 167/2019, que se transcreve novamente:

Art. 5º Nas operações referidas no art. 1º desta Lei
Complementar, devem ser observadas as seguintes condições:

I – a remuneração da ESC somente pode ocorrer por meio de juros
remuneratórios, vedada a cobrança de quaisquer outros encargos, mesmo sob a
forma de tarifa;

(…)

As instituições financeiras estão submetidas ao processo de falência e
recuperação judicial previsto na Lei nº 11.101/2005?

Em princípio, NÃO. As instituições financeiras, quando
quebram, submetem-se a um processo especial de “falência”, que não é chamado de
falência, mas sim de “liquidação extrajudicial”.*

O processo de liquidação extrajudicial das instituições
financeiras é regido pela Lei n.° 6.024/74 e apenas subsidiariamente será
aplicada a Lei de Falências.

Por essa razão, a doutrina afirma que as instituições
financeiras estão parcialmente excluídas do regime falimentar previsto na Lei
nº 11.101/2005.

* Durante o processo de liquidação extrajudicial, podem
surgir duas situações nas quais o Banco Central poderá autorizar que o
liquidante requeira a falência da instituição financeira:

1) se o ativo da entidade não for suficiente para cobrir
pelo menos a metade do valor dos créditos quirografários; ou

2) quando houver fundados indícios de crimes falimentares.

Isso está previsto no art. 21, “b”, da Lei nº 6.024/74.
Nestes casos, encerra-se a liquidação extrajudicial e se inicia um processo
judicial de falência da instituição financeira.

E as ESCs? As ESCs estão submetidas ao processo de falência e
recuperação judicial previsto na Lei nº 11.101/2005?

SIM. Segundo prevê o art. 7º da LC 167/2019:

Art. 7º As ESCs estão sujeitas aos regimes de recuperação
judicial e extrajudicial e ao regime falimentar regulados pela Lei nº 11.101,
de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Falências).

Escrituração contábil

A ESC deverá manter escrituração com observância das leis
comerciais e fiscais e transmitir a Escrituração Contábil Digital (ECD) por
meio do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped).

A Empresa Simples de Crédito pode se enquadrar no Simples Nacional?

NÃO.

O Simples Nacional é um regime unificado de arrecadação,
cobrança e fiscalização de tributos, aplicável às microempresas e empresas de
pequeno porte, estando previsto na Lei Complementar nº 123/2006.

A empresa que aderir ao Simples desfruta da vantagem de
recolher quase todos os tributos (federais, estaduais e municipais) mediante um
único pagamento, calculado sobre um percentual de sua receita bruta.

O objetivo do Simples é fazer com que as microempresas e
empresas de pequeno porte tenham um regime jurídico simplificado e favorecido,
com menos burocracia e menor carga tributária.

O tratamento diferenciado para microempresas e empresas de
pequeno porte é um mandamento constitucional, previsto no art. 146, III, “d”,
art. 170, IX e art. 179, da CF/88.

A inclusão do contribuinte na sistemática do Simples
Nacional exige o preenchimento de determinadas condições.

O art. 17 da LC 123/2006 traz uma lista de situações nas
quais a microempresa ou a empresa de pequeno porte não poderão recolher os
impostos e contribuições na forma do Simples Nacional.

As Empresas Simples de Crédito
(ESCs) não podem aderir ao Simples. A LC 167/2019 acrescentou expressamente
essa proibição no inciso I do art. 17 da LC 123/2006:

LC 123/2006 (Lei do Simples Nacional)

Antes da LC 167/2019

Depois da LC 167/2019

Art. 17.  Não poderão recolher os impostos e
contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de
pequeno porte:

I – que explore atividade
de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia,
gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a
receber, gerenciamento de ativos (asset management), compras de direitos
creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de
serviços (factoring);

Art. 17. Não poderão
recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a
microempresa ou empresa de pequeno porte:

I – que explore atividade
de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia,
gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber,
gerenciamento de ativos (asset management) ou compra de direitos creditórios
resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços
(factoring) ou que execute operações de empréstimo, de
financiamento e de desconto de títulos de crédito, exclusivamente com
recursos próprios, tendo como contrapartes microempreendedores individuais,
microempresas e empresas de pequeno porte, inclusive sob a forma de empresa
simples de crédito
;

Assim, cuidado para não se confundir com o nome. A Empresa Simples
de Crédito (ESC) não tem nenhuma relação com o Simples Nacional.

Apoio do SEBRAE

O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae) poderá apoiar a constituição e o fortalecimento das ESCs.

CRIME

A LC 167/2019 acrescenta, em seu art. 9º, um novo crime, nos
seguintes termos:

Art. 9º Constitui crime o
descumprimento do disposto no art. 1º, no § 3º do art. 2º, no art. 3º e no
caput do art. 5º desta Lei Complementar.

Pena – reclusão, de 1
(um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O tipo penal prevê quatro condutas criminosas:

1) Descumprir o art. 1º da LC 167/2019

O art. 1º estabelece que:

Art. 1º A Empresa Simples de Crédito (ESC), de âmbito municipal
ou distrital, com atuação exclusivamente no Município de sua sede e em
Municípios limítrofes, ou, quando for o caso, no Distrito Federal e em
Municípios limítrofes, destina-se à realização de operações de empréstimo, de
financiamento e de desconto de títulos de crédito, exclusivamente com recursos
próprios, tendo como contrapartes microempreendedores individuais,
microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos da Lei Complementar nº
123, de 14 de dezembro de 2006 (Lei do Simples Nacional).

Assim, podemos imaginar as seguintes condutas criminosas:

• A ESC atua em um Município que não é o de sua sede e também
não é um Município limítrofe.

• A ESC celebra contrato com uma contraparte que não é
microempreendedor individual, microempresa ou empresa de pequeno porte.

Vale ressaltar que a responsabilidade penal é da pessoa
natural (e não da pessoa jurídica). Assim, quem irá responder pelo delito é o
administrador da ESC ou outra pessoa que tenha sido responsável por esta
decisão empresarial.

Obs: se a ESC estiver operando com recursos de terceiros
(não recursos próprios), ela, em tese, descumpre este art. 1º, porém, entendo
que, neste caso, ela deverá responder pelo delito do art. 16 da Lei nº 7.492/86,
por se tratar de crime que atinge bem jurídico mais específico e amplo:

Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com
autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira,
inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:

Pena – Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.

2) Descumprir o § 3º do art. 2º da LC 167/2019

O § 3º do art. 2º prevê o seguinte:

Art. 2º (…)

§ 3º O valor total das operações de empréstimo, de financiamento
e de desconto de títulos de crédito da ESC não poderá ser superior ao capital
realizado.

Logo, haverá crime se o valor total das operações de
empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito da ESC for
superior ao capital realizado.

3) Descumprir o art. 3º da LC 167/2019

O art. 3º determina que:

Art. 3º É vedada à ESC a realização de:

I – qualquer captação de recursos, em nome próprio ou de
terceiros, sob pena de enquadramento no crime previsto no art. 16 da Lei nº
7.492, de 16 de junho de 1986 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro
Nacional); e

II – operações de crédito, na qualidade de credora, com
entidades integrantes da administração pública direta, indireta e fundacional
de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.

Em caso de descumprimento do inciso I do art. 3º: o crime é
o do art. 16 da Lei nº 7.492/86.

Na hipótese de descumprimento do inciso II do art. 3º: o
delito será o do art. 9º da LC 167/2019.

4) Descumprir o caput do art. 5º da LC 167/2019

O caput do art. 5º estabelece as condições de operação da
ESC:

Art. 5º Nas operações referidas no art. 1º desta Lei Complementar,
devem ser observadas as seguintes condições:

I – a remuneração da ESC somente pode ocorrer por meio de juros
remuneratórios, vedada a cobrança de quaisquer outros encargos, mesmo sob a
forma de tarifa;

II – a formalização do contrato deve ser realizada por meio de
instrumento próprio, cuja cópia deverá ser entregue à contraparte da operação;

III – a movimentação dos recursos deve ser realizada
exclusivamente mediante débito e crédito em contas de depósito de titularidade
da ESC e da pessoa jurídica contraparte na operação.

Elemento subjetivo

O crime é punido apenas a título de dolo.

Não se admite modalidade culposa.

Competência

O tema poderá gerar polêmica, no entanto, entendo que o
crime do art. 9º da LC 167/2019 é de competência da Justiça Estadual. Isso
porque não está presente nenhuma das hipóteses do art. 109 da CF/88, que atraem
a competência para a Justiça Federal.

Vale ressaltar que o delito do art. 9º da LC 167/2019 não
pode ser considerado um crime contra o sistema financeiro porque as ESCs não
são instituições financeiras.

Além disso, ainda que se considere que o delito do art. 9º
da LC 167/2019 é crime contra o sistema financeiro, mesmo assim ele não seria,
por si só, de competência da Justiça Federal. Explico.

O inciso VI do art. 109 da CF/88 afirma que os crimes contra o
sistema financeiro e contra a ordem econômico-financeira somente serão de
competência da Justiça Federal nos casos determinados por lei:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(…)

VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos
determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem
econômico-financeira;

Em outras palavras, nem todos os crimes contra o sistema
financeiro e contra a ordem econômico-financeira serão de competência da
Justiça Federal, mas apenas nas hipóteses em que lei assim determinar.

Os crimes contra o sistema financeiro previstos na Lei nº 7.492/86
são julgados pela Justiça Federal por expressa previsão da própria Lei nº
7.492/86:

Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será
promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.

Suspensão condicional do processo

Como a pena mínima é igual a 1 ano, cabe suspensão
condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95).

ALTERAÇÃO NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO

Para que haja um eficiente combate à lavagem de dinheiro, é
necessário que o Poder Público tenha certo registro e controle sobre as
seguintes atividades, considerando que elas podem ser utilizadas indevidamente
como mecanismo destinado à lavagem de capitais:

• Captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros;

• Compra e venda de moeda estrangeira;

• Compra e venda de ouro como ativo financeiro ou
instrumento cambial;

• Quaisquer espécies de negócios envolvendo títulos ou
valores mobiliários.

Logo, a Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro) determina,
em seu art. 9º, que as pessoas naturais e jurídicas que desenvolvam essas
atividades estão sujeitas a obrigações previstas nos arts. 10 e 11.

Os arts. 10 e 11 trazem uma série de obrigações relacionas
com a identificação e o registro dos indivíduos que se utilizam desses
serviços. É o caso, por exemplo, de uma casa de câmbio que é obrigada a exigir
o nome, o CPF e a assinatura de toda e qualquer pessoa que compre dólar em sua
loja.

O que a LC 167/2019 alterou sobre esse assunto?

A LC 167/2019 trouxe uma pequena
alteração no art. 9º da Lei nº 9.613/98 para prever que as ESCs também estão
sujeitas às obrigações impostas pelos arts. 10 e 11 da Lei de Lavagem:

LEI 9.613/98 (LEI DE LAVAGEM DE
DINHEIRO)

Antes da LC 167/2019

Depois da LC 167/2019

Art. 9º Sujeitam-se às
obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que
tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória,
cumulativamente ou não:

(…)

Parágrafo único.
Sujeitam-se às mesmas obrigações:

(…)

V – as empresas de
arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring);

Art. 9º Sujeitam-se às
obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que
tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória,
cumulativamente ou não:

(…)

Parágrafo único.
Sujeitam-se às mesmas obrigações:

(…)

V – as empresas de
arrendamento mercantil (leasing), as empresas de fomento comercial
(factoring) e as Empresas Simples de Crédito (ESC);

Vejamos, apenas a título de curiosidade, quais são as
obrigações dos arts. 10 e 11 que as ESCs devem cumprir:

Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º:

I – identificarão seus clientes e manterão cadastro atualizado,
nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes;

II – manterão registro de toda transação em moeda nacional ou
estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou
qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar limite
fixado pela autoridade competente e nos termos de instruções por esta
expedidas;

III – deverão adotar políticas, procedimentos e controles
internos, compatíveis com seu porte e volume de operações, que lhes permitam
atender ao disposto neste artigo e no art. 11, na forma disciplinada pelos
órgãos competentes;

IV – deverão cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no
órgão regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf), na forma e condições por eles estabelecidas;

V – deverão atender às requisições formuladas pelo Coaf na
periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas, cabendo-lhe preservar,
nos termos da lei, o sigilo das informações prestadas.

§ 1º Na hipótese de o cliente constituir-se em pessoa jurídica,
a identificação referida no inciso I deste artigo deverá abranger as pessoas
físicas autorizadas a representá-la, bem como seus proprietários.

§ 2º Os cadastros e registros referidos nos incisos I e II deste
artigo deverão ser conservados durante o período mínimo de cinco anos a partir
do encerramento da conta ou da conclusão da transação, prazo este que poderá
ser ampliado pela autoridade competente.

§ 3º O registro referido no inciso II deste artigo será efetuado
também quando a pessoa física ou jurídica, seus entes ligados, houver
realizado, em um mesmo mês-calendário, operações com uma mesma pessoa,
conglomerado ou grupo que, em seu conjunto, ultrapassem o limite fixado pela
autoridade competente.

Da Comunicação de Operações Financeiras

Art. 11. As pessoas referidas no art. 9º:

I – dispensarão especial atenção às operações que, nos termos de
instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios
indícios dos crimes previstos nesta Lei, ou com eles relacionar-se;

II – deverão comunicar ao Coaf, abstendo-se de dar ciência de
tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação, no
prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a proposta ou realização:

a) de todas as transações referidas no inciso II do art. 10,
acompanhadas da identificação de que trata o inciso I do mencionado artigo; e

b) das operações referidas no inciso I;

III – deverão comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da
sua atividade ou, na sua falta, ao Coaf, na periodicidade, forma e condições
por eles estabelecidas, a não ocorrência de propostas, transações ou operações
passíveis de serem comunicadas nos termos do inciso II.

§ 1º As autoridades competentes, nas instruções referidas no
inciso I deste artigo, elaborarão relação de operações que, por suas características,
no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização,
instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam
configurar a hipótese nele prevista.

§ 2º As comunicações de boa-fé, feitas na forma prevista neste artigo,
não acarretarão responsabilidade civil ou administrativa.

§ 3º O Coaf disponibilizará as comunicações recebidas com base
no inciso II do caput aos respectivos órgãos responsáveis pela regulação ou
fiscalização das pessoas a que se refere o art. 9º.

IRPJ E CSLL

As Empresas Simples de Crédito (ESCs) devem pagar imposto de
renda de pessoa jurídica (IRPJ) e contribuição social sobre o lucro líquido
(CSLL).

Com o intuito de melhor viabilizar isso, a LC 167/2019
promoveu alterações na Lei nº 9.249/95, que trata justamente sobre IRPJ e CSLL.

Alteração no art. 15 da Lei nº 9.249/95

A LC 167/2019 acrescentou o inciso IV ao § 1º do art. 15 da
Lei nº 9.249/95, com a seguinte redação:

Art. 15. A base de cálculo do imposto (obs: IRPJ), em cada mês, será determinada mediante a aplicação do
percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida mensalmente,
observado o disposto no art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de
1977, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais
concedidos, sem prejuízo do disposto nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei nº 8.981,
de 20 de janeiro de 1995.

§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este
artigo será de:

(…)

IV – 38,4% (trinta e oito inteiros e quatro décimos por cento),
para as atividades de operação de empréstimo, de financiamento e de desconto de
títulos de crédito realizadas por Empresa Simples de Crédito (ESC). (Incluído
pela LC 167/2019)

Veja, portanto, que se trata de uma tributação bem alta. Isso
porque a regra da tributação é de 8% (caput do art. 15).

Além disso, o percentual está alto mesmo para atividades
consideradas especiais. A título de exemplo, as empresas de factoring (que
também já pagam muito) são tributadas em 32%.

Alteração no art. 20 da Lei nº 9.249/95

A LC 167/2019 alterou também a
redação do art. 20 da Lei nº 9.249/95, estipulando que a base de cálculo da
CSLL será de 38,4% da receita bruta das atividades desempenhadas pela ESC. Veja:

LEI 9.249/95 (na parte que trata sobre
a base de cálculo da CSLL)

Antes da LC 167/2019

Depois da LC 167/2019

Art. 20. A base de cálculo
da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido devida pelas pessoas jurídicas
que efetuarem o pagamento mensal ou trimestral a que se referem os arts. 2º,
25 e 27 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, corresponderá a 12% (doze
por cento) sobre a receita bruta definida pelo art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598,
de 26 de dezembro de 1977, auferida no período, deduzida das devoluções,
vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, exceto para as
pessoas jurídicas que exerçam as atividades a que se refere o inciso III do §
1º do art. 15, cujo percentual corresponderá a 32% (trinta e dois por cento).

Art. 20. A base de cálculo
da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devida pelas pessoas
jurídicas que efetuarem o pagamento mensal ou trimestral a que se referem os
arts. 2º, 25 e 27 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, corresponderá
aos seguintes percentuais aplicados sobre a receita bruta definida pelo art.
12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida no período,
deduzida das devoluções, das vendas canceladas e dos descontos incondicionais
concedidos:

I – 32% (trinta e dois por
cento) para a receita bruta decorrente das atividades previstas no inciso III
do § 1º do art. 15 desta Lei;

II – 38,4% (trinta
e oito inteiros e quatro décimos por cento) para a receita bruta decorrente
das atividades previstas no inciso IV do § 1º do art. 15 desta Lei
; e

III – 12% (doze por cento)
para as demais receitas brutas.

Vigência

A LC 167/2019 entrou em vigor na data de sua publicação
(25/04/2019).

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor

Artigo Original em Dizer o Direito

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