Princípio da territorialidade

O art. 5º, caput, do Código
Penal prevê o seguinte:

Art. 5º Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional,
ao crime cometido no território nacional.

Esse dispositivo consagra o chamado princípio da
territorialidade segundo o qual a lei brasileira aplica-se para os crimes
cometidos no território nacional.

Ocorre que o Brasil não adotou o princípio da
territorialidade de maneira absoluta. Isso porque há exceções. Assim, dizemos
que o nosso país adotou o princípio da territorialidade temperada ou mitigada.

Imunidades diplomáticas

Conforme se vê pelo art. 5º, é possível que as convenções,
tratados e regras de direito internacional preveja exceções ao princípio da
territorialidade, ou seja, tais documentos podem estabelecer situações nas
quais mesmo o crime tendo sido cometido no Brasil não se aplicará a lei
brasileira.

Como exemplo dessa exceção temos o caso das imunidades
diplomáticas.

O Brasil assinou um tratado
internacional assegurando imunidade de jurisdição penal aos diplomatas, agentes
diplomáticos e funcionários das organizações internacionais. Trata-se da
Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (aprovada pelo Decreto
Legislativo 103/64, e promulgada pelo Decreto nº 56.435/65), cujo artigo 31
prevê:

Artigo 31

1. O agente diplomático gozará de
imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado. Gozará também da imunidade
de jurisdição civil e administrativa, a não ser que se trate de:

(…)

4. A imunidade de jurisdição de um
agente diplomático no Estado acreditado não o isenta da jurisdição do Estado
acreditante.

Imunidade de jurisdição e imunidade de execução

No âmbito penal, a imunidade diplomática pode ser dividida
em duas espécies:

a) imunidade de jurisdição cognitiva: impede que o agente
diplomático seja julgado pelo crime que cometeu no Brasil;

b) imunidade de execução penal: impede que o Brasil execute
a sanção penal que o agente diplomático recebeu.

Apesar da redação do item 1 do artigo 31 da Convenção de
Viena, entende-se que a imunidade diplomática abrange tanto a imunidade de
jurisdição como a imunidade de execução.

O agente diplomático pode renunciar a imunidade?

NÃO. O destinatário da imunidade não pode renunciá-la. Isso
porque ela é conferida em razão do cargo (e não da pessoa).

Por outro lado, o Estado de
origem do agente diplomático (chamado de Estado acreditante) poderá renunciar a
imunidade dos seus agentes diplomáticos, conforme prevê o artigo 32, 1 e 2, do
Decreto nº 56.435/1965:

Artigo 32

1. O Estado acreditante pode renunciar
à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozam
de imunidade nos termos do artigo 37.

2. A renúncia será sempre expressa.

3. Se um agente diplomático ou uma
pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37 inicia uma
ação judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade de jurisdição no
tocante a uma reconvenção ligada à ação principal.

4. A renúncia à imunidade de
jurisdição no tocante às ações civis ou administrativas não implica renúncia a
imunidade quanto as medidas de execução da sentença, para as quais nova
renúncia é necessária.

Desse, o agente diplomático não responderá, no Brasil, pelo
crime que cometer aqui, salvo se o Estado que ele representa (Estado
acreditante) renunciar à imunidade.

Imagine a seguinte situação hipotética:

Juan é agente diplomático da Espanha, trabalhando em
Brasília.

Determinado dia, Juan praticou um homicídio aqui no Brasil.

O Ministério de Assuntos Exteriores e de Cooperação espanhol
remeteu uma Nota Verbal ao Ministério de Relações Exteriores indicando a renúncia
da imunidade de jurisdição do agente diplomático (Juan). No entanto, a Espanha
fez menção expressa ao fato de que esta renúncia não representaria de nenhuma
maneira renúncia à imunidade de execução, nos termos estabelecidos pela referida
Convenção.

Em outras palavras, a Espanha afirmou o seguinte: o agente
diplomático pode ser julgado pelo Poder Judiciário brasileiro (houve renúncia à
imunidade de jurisdição), mas ele não irá cumprir eventual pena no Brasil (eu
não renuncio à imunidade de execução).

O réu pode ser processado no Brasil e eventualmente
condenado, mas a execução da pena se dará apenas pela Espanha.

Diante dessa autorização,
Juan foi denunciado pelo Ministério Público e responde a ação penal aqui no
Brasil.

O magistrado impôs ao réu a medida cautelar prevista no art.
319, IV, do CPP proibindo-o de sair do Brasil sem autorização judicial,
determinando a retenção de seu passaporte. O juiz fundamentou a sua decisão no
perigo de fuga, o que representaria risco à aplicação da lei penal.

Agiu corretamente o juiz?

NÃO. Embora a jurisdição brasileira seja competente para o
processo de conhecimento, não será aqui que o réu irá cumprir eventual pena,
caso seja condenado (persiste a imunidade de execução). Logo, não se mostra
necessária e adequada a imposição de medida cautelar de proibição de se
ausentar do país considerando que esta providência tem por objetivo garantir a
aplicação da lei penal. Ocorre que a lei penal não será executada no Brasil.

Em suma:

A
cautelar fixada de proibição para que agente diplomático acusado de homicídio
se ausente do país sem autorização judicial não é adequada na hipótese em que o
Estado de origem do réu tenha renunciado à imunidade de jurisdição cognitiva,
mas mantenha a competência para o cumprimento de eventual pena criminal a ele
imposta.

STJ. 6ª Turma. RHC 87.825-ES, Rel.
Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/12/2017 (Info 618).

Artigo Original em Dizer o Direito

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