Art. 93 da CF/88 aplica-se à DP, no que couber

A EC 80/2014 inseriu o § 4º ao
art. 134 da CF/88 prevendo que devem ser aplicados à Defensoria Pública, no que
couber, os princípios constitucionais estabelecidos para a Magistratura. Veja:

Art. 134 (…)

§ 4º São princípios institucionais da
Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no
inciso II do art. 96 desta Constituição Federal. (Incluído pela EC nº 80/2014)

O art. 93 diz o seguinte:

Art. 93. Lei complementar, de
iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura,
observados os seguintes princípios:

(…)

Desse modo, depois da EC 80/2014, as normas do art.  93 da CF/88 também devem ser aplicadas à
Defensoria Pública, no que couber.

Três anos de atividade jurídica

O inciso I do art. 93 trata dos
concursos públicos para a magistratura e exige do candidato que ele tenha, no
mínimo, 3 anos de atividade jurídica. Confira:

Art. 93. Lei complementar, de
iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da
Magistratura, observados os seguintes princípios:

I – ingresso na carreira, cujo cargo
inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e
títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases,
exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica
e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;

O STF entendeu que este art. 93, I, é autoaplicável, ou
seja, possui natureza de norma jurídica de eficácia plena, de sorte que não
precisa de lei para produzir todos os seus efeitos.

Previsão da LC 80/94

A Defensoria Pública é regida pela Lei Complementar nº
80/94. Esta Lei traz regra diferente do art. 93, I, da CF/88.

Segundo a LC 80/94, nos
concursos para o cargo de Defensor Público federal, o candidato precisa ter
apenas 2 anos de prática forense, sendo que esse período pode ser computado por
meio de atividades realizadas antes da colação de grau:

Art. 26. O candidato, no momento da
inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a
situação dos proibidos de obtê¬la, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática
forense, devendo indicar sua opção por uma das unidades da federação onde
houver vaga.

§ 1º Considera-se como atividade
jurídica o exercício da advocacia, o cumprimento de estágio de Direito reconhecido
por lei e o desempenho de cargo, emprego ou função, de nível superior, de
atividades eminentemente jurídicas. (Redação dada pela Lei Complementar nº
132/2009).

Discussão sobre a aplicação ou não da exigência de três anos para os
concursos da Defensoria Pública

Diante disso, com a promulgação da EC 80/2014, surgiram as
seguintes dúvidas:


o inciso I do art. 93 da CF/88, que exige três anos de atividade jurídica para
o candidato ao cargo, aplica-se para os concursos da DPU?


o art. 26 da LC 80/94 continua em vigor ou foi revogado (não-recepcionado) pela
EC 80/2014?


os candidatos ao concurso da DPU precisam comprovar três anos de atividade
jurídica realizada depois da colação de grau?

Podemos apontar a existência de três correntes de
interpretação:

1ª posição: o art. 93, I, da CF/88 aplica-se à
Defensoria Pública, por força do art. 134, § 4º, e, portanto, o art. 26, caput
e § 1º da LC 80/94 não estão mais em vigor.

Como consequência, exigem-se três anos de atividade jurídica,
que somente podem ser computados depois da colação de grau. Isso porque foi
assim que o STF interpretou o art. 93, I, da CF/88 para os concursos da
Magistratura, devendo ser adotada a mesma exegese para a Defensoria Pública.

Esta foi a interpretação dada pelo Conselho Superior da
Defensoria Pública da União (Resolução 118/2015).

2ª posição: o art. 93, I, da CF/88 aplica-se à
Defensoria Pública. Assim, exigem-se três anos de atividade jurídica do
candidato ao cargo de Defensor Público.

No entanto, esses três anos de atividade jurídica podem ser
computados antes da colação de grau. Os
partidários dessa corrente alegam que:

• o art. 93, I, da CF/88 não é expresso em exigir a contagem
da atividade jurídica somente depois da graduação; e

• o § 1º do art. 26 da LC 80/94 autoriza que a atividade
jurídica para os concursos da Defensoria considere também a prática forense
realizada antes da colação de grau.

Logo, para essa corrente, o caput do art. 26 da LC 80/94 não
foi recepcionado pela EC 80/2014, mas o § 1º continua em vigor por não ser
incompatível com a emenda.

3ª posição: é possível aplicar o art. 93, I, da CF/88
à Defensoria Pública, no entanto, para isso, exige-se a edição de uma lei
complementar alterando a LC 80/94.

Enquanto não houver lei complementar disciplinando o tema
segundo o art. 93, I, da CF/88, permanece válida a exigência de dois anos de
prática forense prevista no art. 26 da LC 80/94.

Posição do STJ

O STJ possui um precedente recente
adotando a 3ª corrente. Veja, em resumo, o que foi decidido:

O
art. 93, I, da CF/88 exige três anos de atividade jurídica para os candidatos
nos concursos da Magistratura. Essa exigência pode ser estendida para os
concursos da Defensoria Pública. No entanto, é indispensável a edição de uma
lei complementar prevendo isso (art. 37, I e art. 134, § 1º, da CF/88).

Enquanto
não for editada lei complementar estendendo a exigência dos três anos para a
Defensoria Pública, continua válida a regra do art. 26 da LC 80/94, que exige do
candidato ao cargo de Defensor Público apenas dois anos de prática forense,
computadas, inclusive as atividades realizadas antes da graduação em Direito.

Desse
modo, não é possível que Resolução do Conselho Superior da Defensoria Pública
(ato infralegal) exija três anos de atividade jurídica depois da graduação para
os concursos de Defensor Público.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.676.831/AL, Rel.
Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05/09/2017.

A questão, por envolver tema constitucional, será ao fim resolvida
pelo STF. Vamos aguardar o que o Supremo irá decidir.

No entanto, trata-se de importante precedente e de uma
esperança para os candidatos que estão fazendo o concurso da DPU e que ainda
não possuem os três anos de atividade jurídica.

Concursos da Defensoria Pública estadual

No caso dos concursos da
Defensoria Pública dos Estados, a LC 80/94 nem sequer exige 2 anos de prática
forense. Confira:

Art. 112. O ingresso nos cargos
iniciais da carreira far-se-á mediante aprovação prévia em concurso público de
provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 1º Do regulamento do concurso
constarão os programas das disciplinas sobre as quais versarão as provas, bem
como outras disposições pertinentes à sua organização e realização.

§ 2º O edital de abertura de
inscrições no concurso indicará, obrigatoriamente, o número de cargos vagos na
categoria inicial da carreira.

Nesses casos, deve-se analisar a lei que rege a Defensoria Pública
no Estado. A maioria das leis complementares estaduais que conheço repete a previsão
do art. 26 da LC 80/94 e exige dois anos de prática forense, permitindo o
estágio profissional realizado antes da colação de grau.

Aplicando o mesmo raciocínio da decisão do STJ acima
comentada (que analisou o concurso da DPU), pode-se concluir que, enquanto a
Lei complementar do respectivo Estado não for alterada, não será possível
exigir três anos de atividade jurídica nos concursos das Defensorias Públicas
estaduais.

Concurso da Defensoria Pública do Distrito Federal

Para complicar ainda mais o
tema, no caso do concurso da Defensoria Pública do DF, a LC 80/94 traz uma
regra ligeiramente diferente. Isso porque se exige que o estágio tenha sido
feito na Defensoria Pública, exigência que não existe para o caso da DPU. Veja:

Art. 71. O candidato, no momento da
inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a
situação dos proibidos de obtê-la, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática
forense.

§ 1º Considera-se como prática forense
o exercício profissional de consultoria, assessoria, o
cumprimento de estágio nas Defensorias Públicas
e o desempenho de cargo,
emprego ou função de nível superior, de atividades eminentemente jurídicas.

§ 2º Os candidatos proibidos de
inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil comprovarão o registro até a posse
no cargo de Defensor Público.

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor

Créditos: vi o referido
julgado do STJ no twitter

do Defensor Público
Federal Caio Paiva.

Artigo Original em Dizer o Direito

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