A situação concreta, com
adaptações, foi a seguinte:

O Instituto Metodista Bennett é uma
instituição de ensino superior, ou seja, ela oferece cursos de ensino
fundamental, médio e superior, exigindo o pagamento de uma mensalidade como
contraprestação pelos serviços.

Vale ressaltar, no entanto, que
esse Instituto possui natureza jurídica de associação civil sem fins lucrativos, sendo ligado a determinada
igreja.

A instituição começou a enfrentar
inúmeras dificuldades econômicas durante a pandemia e pediu a sua recuperação
judicial, o que foi deferido pelo juízo de 1º grau.

O Tribunal de Justiça reformou a
decisão interlocutória sob o argumento de que a associação civil sem fins
lucrativos não tem legitimidade para requerer recuperação judicial.

O Instituto interpôs recurso
especial alegando que, de fato, ela é uma associação civil sem fins lucrativos,
mas com finalidade e atividades econômicas. Logo, neste caso, detém
legitimidade para requerer recuperação judicial.

 

O STJ concordou com os
argumentos da associação civil? Ela tem legitimidade para requerer a
recuperação judicial?

SIM.

 

Não há permissão nem
proibição expressa na lei

A possibilidade, ou não, de
associações civis pedirem recuperação judicial é um tema polêmico na doutrina e
jurisprudência.

O caput do art. 1º da Lei nº
11.101/2005 afirma que a recuperação judicial se aplica para o empresário e
para as sociedade empresária. Logo, não menciona as associações civis.

Por outro lado, o art. 2º da Lei traz as pessoas jurídicas
que não podem ser beneficiadas com a recuperação judicial e ali não se
mencionou as associações civis:

Art. 2º Esta Lei não se aplica a:

I – empresa pública e sociedade de
economia mista;

II – instituição financeira pública ou
privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência
complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade
seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente
equiparadas às anteriores.

 

Desse modo, não há previsão legal
expressa permitindo nem negando a possibilidade de as associações civis estarem
submetidas à recuperação judicial.

 

Associações civis podem desenvolver
atividade econômica, desde que não haja intuito de lucro

Em diversas circunstâncias, as
associações civis sem fins lucrativos acabam se estruturando como verdadeiras empresas
do ponto de vista econômico. Em tais casos, essas associações, apesar de não
distribuírem o lucro entre os sócios, exercem atividade econômica organizada
para a produção e/ou a circulação de bens ou serviços, empenhando-se em obter
superávit financeiro e crescimento patrimonial, sendo isso revertido em favor da
própria entidade e das atividades que ela exerce.

Exatamente por isso é que o
Enunciado nº 534 do CJF/STJ da VI Jornada de Direito Civil (2013) dispõe que “as
associações podem desenvolver atividade econômica, desde que não haja
finalidade lucrativa”.

 

Mesmo sem se registrar na
Junta Comercial, as associações podem desempenhar atividades “empresariais”

Não é o registro/inscrição no
Registro de Empresas que confere a qualidade empresária àquela atividade.
Conforme já difundido na doutrina e consolidado nos enunciados 198 e 199
Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal:

Enunciado 198: A inscrição do empresário na Junta Comercial não
é requisito para a sua caracterização, admitindo-se o exercício da empresa sem
tal providência. O empresário irregular reúne os requisitos do art. 966,
sujeitando-se às normas do Código Civil e da legislação comercial, salvo
naquilo em que forem incompatíveis com a sua condição ou diante de expressa
disposição em contrário.

 

Enunciado 199: A inscrição do empresário ou sociedade empresária
é requisito delineador de sua regularidade, e não de sua caracterização.

 

Conclusão

Muitas associações civis, apesar
de não serem sociedades empresárias propriamente dita, possuem imenso relevo
econômico e social, seja em razão de seu objeto, seja pelo desempenho de
atividades, perfazendo direitos sociais e fundamentais onde muitas vezes o
estado é omisso e ineficiente, criando empregos, tributos, renda e benefícios
econômicos e sociais.

É justamente em razão de sua
relevância econômica e social que se tem autorizado a recuperação judicial de
diversas associações civis sem fins lucrativos e com fins econômicos,
garantindo a manutenção da fonte produtiva, dos empregos, da renda, o pagamento
de tributos e todos os benefícios sociais e econômicos decorrentes de sua
exploração.

Portanto, apesar de haver
posicionamentos doutrinários em sentido contrário à concessão de recuperação
judicial em favor das associações civis, existem também diversos autores que
reconhecem como possível a extensão do instituto da recuperação judicial a
associações civis que também exerçam atividade econômica, gerando riqueza e, na
maioria das vezes, bem-estar social, apesar de não se enquadrarem literalmente
no conceito de empresa. Essa conclusão é baseada nos princípios e objetivos
insculpidos no art. 47 da LREF e na leitura sistêmica dos arts. 1º e 2º da Lei,
ou seja, em uma interpretação finalística da norma baseada nos princípios da
preservação da empresa e de sua função social.

Vale ressaltar que, em precedente
antigo, o STJ já reconheceu a possibilidade de uma associação civil valer-se da
recuperação judicial com fundamento, entre outras razões, na relevância do
papel social desempenhado, na teoria do fato consumado e nos princípios da
segurança jurídica e da estabilidade das relações (STJ. 4ª Turma. REsp
1004910/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 18/03/2008).

 

Em suma:

Associações civis sem fins lucrativos com finalidade
e atividades econômicas detêm legitimidade para requerer recuperação judicial.

STJ. 4ª
Turma. AgInt no TP 3.654-RS, Rel. Min. Raul Araújo, Rel. Acd. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 15/03/2022 (Info 729).

Artigo Original em Dizer o Direito

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