Competência da Justiça Militar

Compete à Justiça Militar
processar e julgar os crimes militares.

A lei deve definir quais são os
crimes militares.

Assim, compete à Justiça Militar
julgar os crimes militares assim definidos em lei (art. 124 da CF/88).

A lei que prevê os crimes
militares é o Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969).

• No art. 9º do CPM são
conceituados os crimes militares em tempo de paz.

• No art. 10 do CPM são definidos
os crimes militares em tempo de guerra.

Desse modo, para verificar se o
fato pode ser considerado crime militar, sendo, portanto, de competência da
Justiça Militar, é preciso que ele se amolde em uma das hipóteses previstas nos
arts. 9º e 10 do CPM.

Lei nº 13.491/2017

A Lei nº 13.491/2017 alterou o
art. 9º do CPM ampliando o conceito de crime militar.

Veja abaixo um resumo das
principais mudanças feitas pela Lei nº 13.491/2017 lembrando que estão
disponíveis no site do DOD comentários completos a respeito desta novidade
legislativa.

Alteração 1

A
primeira mudança ocorrida foi no inciso II do art. 9º. Veja:

Código Penal Militar

Redação
original

Redação
dada pela Lei nº 13.491/2017

Art. 9º Consideram-se crimes
militares, em tempo de paz:

II – os crimes previstos neste
Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando
praticados:

Art. 9º Consideram-se crimes
militares, em tempo de paz:

II – os crimes previstos neste Código
e os previstos na legislação penal, quando
praticados:

O que significa essa mudança?

• Antes da Lei: para se enquadrar como
crime militar com base no inciso II do art. 9º, a conduta praticada pelo agente
deveria ser obrigatoriamente prevista como crime no Código Penal Militar.

• Agora: a conduta praticada pelo
agente, para ser crime militar com base no inciso II do art. 9º, pode estar
prevista no Código Penal Militar ou na
legislação penal “comum”
.

Alteração 2

Se um
militar, no exercício de sua função, pratica tentativa de homicídio (ou
qualquer outro crime doloso contra a vida) contra vítima civil, qual será o
juízo competente?

Antes da Lei:

• REGRA: os crimes dolosos contra a
vida praticados por militar contra civil eram julgados pela Justiça comum
(Tribunal do Júri). Isso com base na antiga redação do parágrafo único do art.
9º do CPM.

• EXCEÇÃO: se o militar, no exercício
de sua função, praticasse tentativa de homicídio ou homicídio contra vítima
civil ao abater aeronave hostil (“Lei do Abate”), a competência seria da
Justiça Militar. Tratava-se da única exceção.

Depois da Lei:

• REGRA:
em regra, os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil
continuam sendo julgados pela Justiça comum (Tribunal do Júri). Isso com base
no novo § 1º do art. 9º do CPM:

Art. 9º
(…)

§ 1º Os
crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por
militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.

Ocorre que a Lei nº 13.491/2017 trouxe
um amplo rol de exceções.


EXCEÇÕES:

Os
crimes dolosos contra a vida praticados por militar das Forças Armadas
contra civil serão de competência da Justiça Militar da União, se praticados no
contexto: 

I
– do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da
República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; 

II
– de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar,
mesmo que não beligerante; ou 

III
– de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da
ordem (GLO) ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o
disposto no art. 142 da CF/88 e na forma dos seguintes diplomas legais: 

a)
Código Brasileiro de Aeronáutica;

b)
LC 97/99;

c)
Código de Processo Penal Militar; e

d)
Código Eleitoral.

Isso está previsto no novo § 2º do art.
9º do CPM.

Obs: as exceções são tão grandes que,
na prática, tirando os casos em que o militar não estava no exercício de suas
funções, quase todas as demais irão ser julgadas pela Justiça Militar por se
enquadrarem em alguma das exceções.

Vigência

A Lei nº 13.491/2017 entrou em
vigor na data de sua publicação (16/10/2017).

Feita esta breve revisão sobre o
tema, imagine a seguinte situação hipotética na qual se discutiu a aplicação
temporal da Lei nº 13.491/2017:

Em agosto/2017,
ou seja, antes da Lei nº 13.491/2017, João, militar, no exercício de suas
funções, praticou os crimes descritos no art. 3º, “b” e no art. 4º, “b”, da Lei
nº 4.898/65 (Lei de abuso de autoridade):

Art. 3º Constitui abuso de autoridade
qualquer atentado:

(…)

b) à inviolabilidade do domicílio;

Art. 4º Constitui também abuso de
autoridade:

(…)

b) submeter pessoa sob sua guarda ou
custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

De
quem é a competência para julgar o crime de abuso de autoridade praticado por
militar no exercício de suas funções?

ABUSO DE AUTORIDADE PRATICADO POR MILITAR EM SERVIÇO

Antes da Lei 13.491/2017:

JUSTIÇA COMUM

Depois da Lei 13.491/2017:

JUSTIÇA MILITAR

Antes da Lei nº 13.491/2017 a
competência para julgar este delito era da Justiça comum. Isso porque o art.
9º, II, do CPM afirmava que somente poderia ser considerado como crime
militar as condutas que estivessem tipificadas no CPM.

Assim, como o abuso de
autoridade não está previsto no CPM), mas sim na Lei nº 4.898/65, este delito
não podia ser considerado crime militar.

A Lei nº 13.491/2017 deu nova
redação ao CPM e passou a prever que a conduta praticada pelo agente, para
ser crime militar com base no inciso II do art. 9º, pode estar prevista no
Código Penal Militar ou na legislação penal “comum”.

Dessa forma, o abuso de
autoridade, mesmo não estando previsto no CPM pode agora ser considerado
crime militar.

Como o abuso de autoridade não
podia ser considerado crime militar, a competência para julgá-lo era da
Justiça comum.

Como o abuso de autoridade pode
agora ser considerado crime militar, ele pode ser julgado pela Justiça
Militar com base no art. 9º, II, do CPM.

Súmula 172-STJ: Compete à
justiça comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade,
ainda que praticado em serviço.

A Súmula 172 do STJ está
SUPERADA e deve ser cancelada futuramente.

Voltando ao nosso exemplo:

Como ainda não existia a Lei nº
13.491/2017, foi instaurado um processo na Justiça comum para apurar a conduta
de João.

Ocorre que, logo em seguida, entrou
em vigor a nova Lei.

Diante disso, o membro do Ministério
Público pediu suscitou a incompetência da Justiça comum para processar a ação
penal, em decorrência da mudança operada pela Lei nº 13.491/2017.

Assim, o MP
pediu a remessa dos autos à Justiça Militar argumentando que a Lei nº
13.491/2017 trata sobre processo penal e as normas processuais possuem aplicação
imediata, nos termos do art. 2º do CPP:

Art. 2º A lei processual penal aplicar
se á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da
lei anterior.

A defesa, por sua vez, manifestou-se
contrariamente ao pedido afirmando que essa providência agravaria a situação do
réu porque nem todos os benefícios previstos na legislação comum poderão ser
aplicados se o processo for para a Justiça Militar.

A defesa citou três exemplos:

1) No caso de crimes militares, haverá
cúmulo material das penas, mesmo que os crimes tenham sido praticados em continuidade
delitiva (art. 80 do Código Penal Militar).

2) Na Justiça
comum são possíveis as medidas despenalizadoras previstas na Lei nº 9.099/95,
dentre elas a suspensão condicional do processo. Já na Justiça Militar, tais
medidas não seriam permitidas, conforme prevê o art. 90-A da Lei nº 9.099/95:

Art. 90-A. As disposições desta Lei
não se aplicam no âmbito da Justiça Militar.

3) Na Justiça comum é permitida a
substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos
moldes do art. 44 do CP. Essa mesma possibilidade não existe no processo penal
militar.

Desse modo, a defesa argumentou
que seria pior para o réu.

O que o STJ decidiu?

A Lei nº 13.491/2017 deve ser
aplicada imediatamente aos processos em curso, ou seja, é possível a remessa
imediata do processo para a Justiça Militar mesmo que o fato tenha ocorrido
antes da vigência da nova lei.

No entanto, a Justiça Militar, ao
receber esse processo, deverá aplicar a legislação penal mais benéfica que
vigorava ao tempo do crime, seja ela militar ou comum.

Em outras palavras, no caso de
João, o processo deverá ser remetido para a Justiça Militar, mas chegando lá, poderão
ser aplicados os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 e, em caso de
condenação, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, conforme autoriza o art. 44 do Código Penal comum.

Tempus regit actum

O art. 2º do CPP consagra a regra do tempus regit actum. Isso significa que a
lei processual penal possui aplicação imediata, de forma que os atos
processuais são regidos pela lei vigente no momento da sua prática, não
importando a data em que o crime foi praticado.

Ex: João praticou um delito em 2016,
sendo instaurado um processo penal para apurá-lo; em 2017, entra em vigor uma
nova lei (lei “X”) tratando sobre cartas precatórias; esta nova lei, que tem
caráter processual, deve ser aplicada imediatamente; logo, se, em 2018, no
processo penal desse réu, for necessária a expedição de uma carta precatória,
deverá ser observada a lei “X”, não importante que o crime tenha sido praticado
antes de sua vigência. Vale ressaltar, por outro lado, que, se foi expedida uma
carta precatória em 2016, este ato foi perfeito, não mudando nada o fato de ter
entrado em vigor uma nova lei em 2017.

O ato processual é regido pela lei
vigente ao tempo de sua prática (tempus
regit actum
).

Normas mistas (ou híbridas)

A regra do tempus regit actum vale apenas para as normas exclusivamente
processuais.

Existem, no entanto, algumas normas
que, ao mesmo tempo, possuem um caráter de direito processual, mas também com
fortes reflexos no direito material. São chamadas de normas mistas.

Exemplo de norma mista: a Lei nº
9.271/96 alterou o art. 366 do CPP, que trata sobre a citação por edital. Esta
Lei previu que, se o acusado for citado por edital e não comparecer ao processo
nem constituir advogado o processo deverá ficar suspenso. Se fosse até aqui, a
lei seria meramente processual. Ocorre que ela também determinou que deveria
ficar suspenso o curso do prazo prescricional. Ao fazer isso, a norma tratou
sobre a perda do direito de punir (prescrição). Logo, disciplinou também
direito material. Desse modo, esta lei é mista.

Lei nº 13.491/2017

A Lei nº 13.491/2017 não tratou
apenas de ampliar a competência da Justiça Militar, também ampliou o conceito
de crime militar, circunstância que, isoladamente, autoriza a conclusão no sentido
da existência de um caráter de direito material na norma.

Esse aspecto, embora evidente,
não afasta a sua aplicabilidade imediata aos fatos perpetrados antes de seu
advento, já que a simples modificação da classificação de um crime como comum
para um delito de natureza militar não traduz, por si só, uma situação mais
gravosa ao réu, de modo a atrair a incidência do princípio da irretroatividade
da lei penal mais gravosa (arts. 5º, XL, da Constituição Federal e 2º, I, do
Código Penal).

Por outro lado, a modificação da
competência, em alguns casos, pode ensejar consequências que repercutem
diretamente no jus libertatis,
inclusive de forma mais gravosa ao réu. É o caso do exemplo dado envolvendo
João.

Logo, é inegável que a Lei nº
13.491/2017 possuiu conteúdo híbrido (lei processual material) e que, em alguns
casos, a sua aplicação retroativa pode ensejar efeitos mais gravosos ao réu.

Mesmo assim, a Lei nº 13.491/2017
pode ser aplicada imediatamente

O fato de a Lei nº 13.491/2017
ser híbrida não pode impedir a sua aplicação imediata. É preciso, no entanto,
que se concilie a sua aplicação imediata com o princípio da irretroatividade da
lei penal mais gravosa.

Para isso, deve haver a
incidência imediata da Lei nº 13.491/2017 aos fatos praticados antes do seu
advento, em observância ao princípio tempus
regit actum
, mas, por outro lado, deve ser observada a legislação penal
(seja ela militar ou comum) mais benéfica ao tempo do crime.

Ao se fazer a declinação da
competência, essa ressalva deve ser feita expressamente.

Em suma:

É
possível a aplicação imediata da Lei nº 13.491/2017, que amplia a competência
da Justiça Militar e possui conteúdo híbrido (lei processual material), aos
fatos perpetrados antes do seu advento, mediante observância da legislação penal
(seja ela militar ou comum) mais benéfica ao tempo do crime.

STJ. 3ª Seção. CC 161.898-MG, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/02/2019 (Info 642).

Artigo Original em Dizer o Direito

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