Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje tratar de um assunto que tem se tornado cada vez mais comum na prática forense: o advogado pode cobrar honorários advocatícios de uma pessoa que seja beneficiária da justiça gratuita?

Vamos explicar melhor o tema e expor o que o STJ e o STF têm decidido sobre isso:

Imagine
a seguinte situação hipotética:
Dr. Ruy (advogado) celebrou contrato de
prestação de serviços advocatícios com João (seu cliente). No ajuste, ficou
previsto que os honorários contratuais seriam pagos por João somente ao final da
causa, se esta fosse exitosa.
Assim, se a ação de indenização a ser
proposta por João fosse julgada procedente, este deveria pagar ao advogado cinco
mil reais. Se não tivesse êxito, João não pagaria nada.
Cláusula quota litis
Apenas por curiosidade, quando isso
ocorre, diz-se que o contrato de honorários possui uma cláusula ad exitum ou quota litis.
Como a obrigação do advogado é de meio
(e não de resultado), havia uma discussão no Conselho Federal da OAB se a
cláusula quota litis violaria ou não o
Código de Ética e Disciplina da OAB.
O Conselho Federal da OAB, em 2010,
entendeu que o contrato de prestação de serviços jurídicos com cláusula quota litis, onde o advogado aceita
receber seus honorários somente no final do processo, em princípio, por si só,
não fere o regime ético-disciplinar. No entanto, segundo a OAB, este tipo de
contrato deve ser excepcional (quando a parte não tiver condições de pagar
antecipadamente), não podendo o advogado transformá-lo em algo corriqueiro (Consulta
2010.29.03728-01).
Voltando
ao nosso exemplo
O advogado elaborou e protocolizou a
petição inicial da ação.
Vale ressaltar que, pelo fato de João
ser pobre, requereu-se a justiça gratuita.
O juiz deferiu os benefícios da justiça
gratuita ao autor.
Após toda a tramitação processual, a
ação foi julgada procedente.
O
debate jurídico é o seguinte:
O advogado pode cobrar honorários
advocatícios contratuais de uma pessoa que seja beneficiária da justiça
gratuita ou isso viola o art. 3º, V, da Lei n.
° 1.060/50?
O advogado pode sim cobrar honorários
advocatícios contratuais de seu cliente, mesmo ele sendo beneficiário da
justiça gratuita, sem que esta prática viole o art. 3º, V, da Lei n.
° 1.060/50. Foi o que decidiu a 4ª Turma
do STJ no REsp 1.065.782-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
7/3/2013.
Vejamos inicialmente o que diz o art.
3º, V, da Lei n.
°
1.060/50, que estabelece as normas para a concessão de assistência judiciária
aos necessitados:
Art. 3º A assistência judiciária
compreende as seguintes isenções:
V – dos honorários de advogado e peritos.
O art. 3º, V, acima transcrito NÃO veda
que o advogado possa cobrar de seu cliente os honorários advocatícios ajustados
entre eles (honorários contratuais). O que este dispositivo quer dizer é que a pessoa
pobre (beneficiária da justiça gratuita) está isenta do pagamento dos
honorários resultantes da sucumbência, ou seja, aqueles devidos ao advogado da
parte contrária
, mas não os que ela contrata com o seu patrono, levando em
conta o eventual proveito que terá na causa.
Desse modo, se a ação proposta por João
tivesse sido julgada improcedente, ele não teria que pagar os honorários
advocatícios de sucumbência do advogado do réu. João estaria isento, por força
do art. 3º, V, supra.
O STJ tem entendimento majoritário no
sentido de que a isenção do art. 3º, V não se estende aos honorários contratuais.
Confira alguns precedentes:
(…) Se o beneficiário da Assistência
Judiciária Gratuita opta por um determinado profissional em detrimento daqueles
postos à sua disposição gratuitamente pelo Estado, deverá ele arcar com os ônus
decorrentes desta escolha.
Esta solução busca harmonizar o direito
de o advogado receber o valor referente aos serviços prestados com a faculdade
de o beneficiário, caso assim deseje, poder escolher aquele advogado que
considera ideal para a defesa de seus interesses. (…)
(REsp. 965350/RS, Rel. Min. Nancy
Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9/12/2008)
(…) A concessão de assistência
judiciária gratuita refere-se, exclusivamente, às custas e verba honorária
fixada em juízo, não importando em dispensa de pagamento dos honorários
contratualmente estabelecidos pelas partes constante da avença entre elas
firmada. (…)
(REsp 598.877/RJ, Rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 16/11/2010)
Principais
argumentos apresentados pelo Min. Luis Felipe Salomão:
• De fato, o art. 3º da Lei n.° 1.060/50 não diferencia honorários
advocatícios sucumbenciais e contratuais (o dispositivo fala apenas em
honorários). No entanto, é preciso interpretar este inciso de acordo com a
CF/88 e com as demais normas do ordenamento jurídico.
• Assim, se considerarmos que os
benefícios da justiça gratuita se estendem aos honorários contratuais, iremos
fazer com que uma eventual decisão do Judiciário deferindo a justiça gratuita
tenha o condão de desfazer um ato extraprocessual e pretérito, qual seja, o
contrato celebrado entre o advogado e o cliente, interpretação que viola o ato
jurídico perfeito.
• Vale ressaltar, ainda, que a
hipossuficiência reconhecida por ocasião do deferimento da justiça gratuita é
absolutamente compatível com o pagamento de honorários contratuais pelo êxito
da causa, uma vez que a pessoa não tem recursos no momento da propositura da
ação, mas sendo esta exitosa, poderá ser utilizada parte da verba recebida para
remunerar o profissional que atuou na causa.
• Estender os benefícios da justiça
gratuita aos honorários contratuais, retirando do causídico a merecida
remuneração pelo serviço prestado, não contribui para que o hipossuficiente
tenha maior acesso ao Judiciário. Ao contrário, não admitir o recebimento dos
honorários em tais casos dificulta, pois não haverá nenhum advogado que aceite
patrocinar os interesses de necessitados, circunstância que fará com que haja
uma grande procura pelas Defensorias Públicas o que gerará prejuízo aos demais
hipossuficientes já que a instituição ainda não está estruturada para atender
toda esta demanda.
Julgado
do STF
A conduta do advogado de cobrar os
honorários contratuais do beneficiário da justiça gratuita configura
estelionato ou algum outro crime?
NÃO. Recentemente, a 1ª Turma do STF
examinou esta questão sob o ponto de vista criminal e decidiu que esta conduta
do advogado NÃO constitui estelionato.
De acordo com o STF, não há
qualquer ilegalidade ou crime no fato de um advogado pactuar com seu cliente,
em contrato de risco, a cobrança de honorários, no caso de êxito em ação
judicial proposta, mesmo quando este goza do benefício da gratuidade de
justiça. (STF. 1ª Turma. HC 95058/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4/9/2012).

Artigo Original em Dizer o Direito

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