Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Maria viviam em união estável e tiveram um filho,
Lucas.

Quando a criança completou cinco anos de idade, João decidiu
separar-se de Maria e saiu de casa.

A partir daí nunca mais visitou o filho nem contribuiu para
as despesas do garoto.

Vale ressaltar que João possui outros filhos que ajuda
financeiramente.

O descaso do pai para com o filho está devidamente
demonstrado tanto pelas testemunhas como pelos relatórios do Conselho Tutelar
que comprovam que Lucas vive em situação de praticamente miséria e que as poucas
vezes que o pai contribuiu foi em virtude de execução de alimentos quando
ameaçado de prisão.

A questão jurídica envolvendo esse caso é a seguinte: em tese, é possível
a condenação de João a pagar indenização por danos morais a Lucas, seu filho,
em razão do seu abandono material?
É possível a condenação em danos morais do
pai que deixa de prestar assistência material ao filho?

SIM.

A
omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo MATERIAL do filho
gera danos morais, passíveis de compensação pecuniária.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.087.561-RS, Rel.
Min. Raul Araújo, julgado em 13/6/2017 (Info 609).

O dever de convivência familiar, compreendendo a obrigação
dos pais de prestar auxílio afetivo, moral e psíquico aos filhos, além de
assistência material, é direito fundamental da criança e do adolescente.

O descumprimento voluntário do dever de prestar assistência MATERIAL,
direito fundamental da criança e do adolescente, afeta a integridade física,
moral, intelectual e psicológica do filho, em prejuízo do desenvolvimento sadio
de sua personalidade e atenta contra a sua dignidade, configurando ilícito
civil e, portanto, os danos morais e materiais causados são passíveis de
compensação pecuniária.

No julgado acima (REsp 1.087.561-RS) adotou-se a responsabilidade civil
por abandono AFETIVO? O pai foi condenado a indenizar pelo fato de não ter dado
afeto ao seu filho?

NÃO. No julgado acima explicado o Min. Rel. Raul Araújo,
assim como a Min. Maria Isabel Gallotti, deixaram claro que são contrários à
tese da responsabilidade civil por abandono afetivo.

Afirmou-se que a falta de afeto, por si só, não constitui
ato ilícito.

“A convivência e o afeto devem corresponder a sentimentos
naturais, espontâneos, genuínos, com todas as características positivas e
negativas de cada indivíduo e de cada família. Não é – nem deve ser – o
cumprimento de dever jurídico, imposto pelo Estado, sob pena de punição (ou
indenização punitiva).” (Min. Maria Isabel Gallotti)

Assim, no REsp 1.087.561-RS, o STJ concedeu a indenização
por danos morais em razão do pai não ter dado amparo MATERIAL ao filho.

A partir desse julgado pode-se dizer que qualquer atraso na pensão
alimentícia ou descumprimento do dever de alimentar gera dano moral?

NÃO. No caso concreto, não houve um “mero descumprimento
episódico de obrigação alimentar, mas de hipótese em que a reiterada falta de
assistência material foi de tal ordem que revelou ter o autor sido vítima de
humilhações, situações que o levaram ao ridículo, privações que prejudicaram o
seu desenvolvimento, caracterizando o tratamento cruel e degradante ao qual
ficou submetido em decorrência da conduta omissiva do genitor, que tinha, na
época dessas ocorrências, conhecimento da situação de penúria e plenas
condições de suprir suas necessidades.” (Min. Maria Isabel Gallotti).

Existe algum julgado do STJ reconhecendo a responsabilidade civil por
abandono afetivo?

SIM. Há um precedente da 3ª Turma:

O
abandono AFETIVO decorrente da omissão do genitor no dever de cuidar da prole
constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.159.242-SP, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2012.

Artigo Original em Dizer o Direito

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