Imagine a seguinte situação
hipotética:

João é servidor público estadual (agente
de polícia civil). Ele requereu administrativamente a sua progressão funcional
(promoção).

O Conselho Superior da Polícia
Civil constatou que o servidor preencheu todos os requisitos legais para ser
promovido.

A despeito disso, o Secretário de
Administração negou a promoção sob o argumento de que o Estado-membro já havia
ultrapassado o limite prudencial, que é previsto no art. 22, parágrafo único,
da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000).

Segundo argumentou o Secretário,
como a progressão funcional do servidor acarreta um aumento de gastos com
pessoal, isso estaria vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

 

O argumento acima exposto
está correto? A recusa do Estado de promover o servidor foi lícita?

NÃO.

 

Lei de Responsabilidade
Fiscal

A Lei Complementar nº 101/2000
estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na
gestão fiscal. Ela é popularmente conhecida como “Lei de Responsabilidade
Fiscal”.

Essa Lei estabelece, nos arts. 18
e seguintes, os limites de gastos com pessoal para cada ente da Federação, em
termos globais e setoriais, bem como as correspondentes exceções.

Além disso, criou medidas de
controle das despesas caso esses gastos se aproximem ou ultrapassem os tetos
impostos.

No art. 19 da LRF são previstas
as despesas totais com pessoal da União, dos Estados e dos Municípios.

No art. 20, por sua vez, estão
elencados os limites globais de gastos com pessoal de cada Poder.

 

Limite prudencial

O limite prudencial é aquele previsto no parágrafo único do
art. 22 da LRF e que, se for ultrapassado, impõe uma série de vedações:

Art. 22. A verificação do cumprimento
dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada
quadrimestre.

Parágrafo único. Se a despesa total
com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou
órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:

I – concessão de vantagem, aumento,
reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de
sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão
prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;

II – criação de cargo, emprego ou
função;

III – alteração de estrutura de
carreira que implique aumento de despesa;

IV – provimento de cargo público,
admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição
decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação,
saúde e segurança;

V – contratação de hora extra, salvo
no caso do disposto no inciso II do § 6º do art. 57 da Constituição e as
situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias.

 

LRF não proíbe a progressão
funcional

Mesmo que os limites de gastos
com pessoal sejam ultrapassados, a LRF não proíbe a progressão funcional.

O rol de proibições do art. 22,
parágrafo único, da LRF é expresso e taxativo, não havendo previsão legal de
vedação à progressão funcional, que é direito subjetivo do servidor público
quando os requisitos legais forem atendidos em sua plenitude.

 

Mas o art. 22, parágrafo
único, I, da LRF fala em concessão de aumento e a progressão funcional acarreta
um aumento na remuneração…

É verdade. No entanto, a
progressão não pode ser incluída nessas hipóteses mencionadas no dispositivo.

Conceder vantagem, aumento,
reajuste ou adequar a remuneração a qualquer título engloba aumento real dos
vencimentos em sentido amplo, de forma irrestrita à categoria de servidores
públicos, sem distinção, e deriva de lei específica para tal fim. A vedação
presente no art. 22, parágrafo único, inciso I, da LC 101/2002 se dirige a essa
hipótese.

A progressão funcional acarreta
um incremento no vencimento, mas isso decorre da movimentação do servidor na
carreira e não inova o ordenamento jurídico. Esse aumento já havia sido
previsto em lei prévia.

Assim, a progressão é direcionada
apenas aos grupos de servidores públicos que possuem os requisitos para sua
materialização.

 

Progressão pode ser
enquadrada na parte final do inciso I

A própria Lei de Responsabilidade
Fiscal, ao vedar, no art. 22, parágrafo único, inciso I, a concessão de
vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título,
ressalva os direitos derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual.

Assim, como a progressão
funcional decorre de determinação legal, podemos dizer que se trata de exceção expressamente
prevista no art. 22, parágrafo único, inciso I.

 

Promoção não depende de
homologação de outro órgão (ex: Secretaria de Administração)

O ato administrativo do órgão
superior da categoria que concede a progressão funcional é simples, e por isso
não depende de homologação ou da manifestação de vontade de outro órgão.
Ademais, o ato produzirá seus efeitos imediatamente, sem necessidade de
ratificação ou chancela por parte da Secretaria de Administração. Trata-se,
também, de ato vinculado sobre o qual não há nenhuma discricionariedade da
Administração Pública para sua concessão quando presentes todos os elementos
legais da progressão.

Condicionar a progressão
funcional do servidor público a situações alheias aos critérios previstos por
lei poderá, por via transversa, transformar seu direito subjetivo em ato
discricionário da Administração, ocasionando violação aos princípios caros à
Administração Pública, como os da legalidade, da impessoalidade e da
moralidade.

 

Limites da LRF não podem
ser utilizados como pretexto para o descumprimento de direitos dos servidores

A jurisprudência do STJ firmou-se
no sentido de que os limites previstos nas normas da LRF, no que tange às
despesas com pessoal do ente público, não podem servir de justificativa para o
não cumprimento de direitos subjetivos do servidor público, como é o
recebimento de vantagens asseguradas por lei.

Desse modo, o Poder Público não
pode alegar crise financeira e o descumprimento dos limites da Lei de Responsabilidade
Fiscal para deixar de cumprir leis existentes, válidas e eficazes, e suprimir
direitos subjetivos de servidores públicos.

 

Em suma:

É ilegal o ato de não concessão de progressão
funcional de servidor público, quando atendidos todos os requisitos legais, a
despeito de superados os limites orçamentários previstos na Lei de Responsabilidade
Fiscal, referentes a gastos com pessoal de ente público, tendo em vista que a
progressão é direito subjetivo do servidor público, decorrente de determinação
legal, estando compreendida na exceção prevista no inciso I do parágrafo único
do art. 22 da Lei Complementar n. 101/2000.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.878.849-TO, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador
Convocado do TRF da 5ª região), julgado em 24/02/2022 (Recurso Repetitivo – Tema
1075) (Info 726).

 

 

Artigo Original em Dizer o Direito

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