Intervenção do Estado na
propriedade privada

A propriedade privada é protegida
pela CF/88 (art. 5º, XXII e art. 170, II). No entanto, em algumas situações,
será necessário que o Estado interfira na propriedade privada para atender ao
interesse público. A isso, dá-se o nome de “intervenção do Estado na
propriedade privada”.

 

Quais são os fundamentos
que autorizam a intervenção do Estado na propriedade privada?

    Função social da propriedade

    Prevalência do interesse público sobre o
privado

 

Principais formas de
intervenção do Estado na propriedade privada:

a) Servidão administrativa;

b) Requisição administrativa;

c) Ocupação temporária;

d) Limitação administrativa;

e) Tombamento;

f) Desapropriação.

 

Requisição administrativa

Na requisição o Estado, diante de
uma situação de perigo público iminente, utiliza bens móveis, imóveis ou
serviços particulares com indenização ulterior, se houver dano.

Seu fundamento constitucional
está no inciso XXV do art. 5º, CF/88: “no caso de iminente perigo público, a
autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao
proprietário indenização ulterior, se houver dano”.

 

Requisição administrativa
do art. 15, XIII, da Lei do SUS

A Lei nº 8.080/90 dispõe sobre as
condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, além de tratar
sobre a organização e o funcionamento dos serviços de saúde. É conhecida como
Lei do SUS (Sistema Único de Saúde).

O art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90 prevê uma espécie de
requisição administrativa. Veja:

Art. 15. A União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as
seguintes atribuições:

(…)

XIII – para atendimento de necessidades
coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo
iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade
competente da esfera administrativa correspondente poderá
requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas
,
sendo-lhes assegurada justa indenização;

 

ADI

O Partido Democratas ajuizou ADI
pedindo que o STF conferisse interpretação conforme a esse art. 15, XIII, da
Lei nº 8.080/90.

O Partido pediu que o STF
dissesse o seguinte: essa requisição não pode recair sobre bens e serviços dos
entes públicos, mas apenas sobre bens e serviços de particulares.

Isso porque, segundo alegou o
autor, esse dispositivo “tem servido de fundamento para que a Administração Federal
ocupe bens e serviços de outras esferas da federação, sem a observância aos
cânones constitucionais do pacto federativo, como no caso da requisição de duas
unidades hospitalares do Município do Rio de Janeiro pela União, levada a
efeito pelo Decreto nº 5.392/2005”.

Logo,
o Partido queria que o STF dissesse que o art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90 não
pode ser utilizado para que a União requisite bens e serviços dos Estados/Municípios
ou para que os Estados requisitem bens e serviços dos Municípios. Segundo o
autor da ADI, isso violaria o pacto federativo e as autonomias dos entes.

 

O pedido do autor foi
acolhido pelo STF?

SIM.

 

Requisição administrativa

A requisição administrativa é uma das formas de intervenção
do Estado na propriedade, com vistas à satisfação de interesse público de
caráter urgente, com respaldo no art. 5º, XXV, e no art. 170, III, e, ambos da
CF/88:

Art. 5º (…)

XXV – no caso de iminente perigo
público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular,
assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:

(…)

III – função social da propriedade;

 

A requisição administrativa tem fundamentos político e
jurídico:

• fundamento político: a existência de necessidade
pública;

• fundamento jurídico genérico: a função social da
propriedade;

• fundamento jurídico específico: iminente perigo público.

 

A requisição, como já vimos, não depende da aquiescência
do particular nem precisa de prévia autorização do Poder Judiciário, tendo como
único pressuposto a necessidade de atendimento de uma situação de perigo
público iminente.

 

Em regra, a União não pode
requisitar bens dos Estados, DF e Municípios

A requisição administrativa não
pode se voltar contra bem ou serviço de outro ente federativo. Isso para que
não haja indevida interferência na autonomia de um sobre outro.

Em regra, a União não pode requisitar bens integrantes do
patrimônio público estadual e municipal. A CF/88 só autorizou que isso ocorra
em caso de estado de defesa (art. 136, § 1º, II, da CF/88) e estado de sítio
(art. 139, VII):

Art. 136 (…)

§ 1º O decreto que instituir o estado
de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem
abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a
vigorarem, dentre as seguintes:

(…)

II – ocupação e uso temporário de bens
e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União
pelos danos e custos decorrentes.

 

Art. 139. Na vigência do estado de
sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as
pessoas as seguintes medidas:

(…)

VII – requisição de bens.

 

Princípio federativo

A permissão constitucional para requisição administrativa
de bens particulares (art. 5º, XXV) tem aplicação restrita para as relações
entre Poder Público e o patrimônio privado, não sendo possível estender essa
autorização para permitir que um ente da Federação requisite administrativamente
bens de outro.

Mesmo que os bens públicos estejam vocacionados ao atendimento
de uma finalidade pública e que o pressuposto único indispensável para a
requisição seja o atendimento de situação de perigo público iminente (e não a
natureza do bem requisitado), o seu uso excepcional e transitório por ente
federativo que não aquele a que está vinculado o bem ou serviço, ainda que a pretexto
de acudir a uma situação fática de extrema necessidade, fere a autonomia do
ente cujo bem seja requisitado e lhe acarreta incontestável desorganização.

Assim, ofende o princípio federativo a requisição de bens
e serviços de um ente federado por outro, o que somente se admitiria
excepcionalmente à União durante a vigência de estado de defesa (CF/1988, art.
136, § 1º, II) e estado de sítio (CF/1988, art. 139, VII).

 

Inexistência de hierarquia entre os entes federativos

Entre os entes federados não há
hierarquia, sendo-lhes assegurado tratamento isonômico, ressalvadas apenas as
distinções porventura constantes na própria CF/88. Portanto, como as relações
entre eles se caracterizam pela cooperação e horizontalidade, tal requisição,
ainda que a pretexto de acudir situação fática de extrema necessidade, importa
ferimento da autonomia daquele cujos bens ou serviços públicos são
requisitados, acarretando-lhe incontestável desorganização.

 

Em suma:

A
requisição administrativa “para atendimento de necessidades coletivas, urgentes
e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade
pública ou de irrupção de epidemias” — prevista na Lei Orgânica do Sistema
Único de Saúde (Lei nº 8.080/1990) — não recai sobre bens e/ou serviços
públicos de outro ente federativo.

STF.
Plenário. ADI 3454/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2022 (Info
1059).

 

Com base nesse entendimento, o
Plenário do STF, por unanimidade, julgou procedente o pedido para atribuir
interpretação conforme a Constituição ao art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90,
excluindo a possibilidade de requisição administrativa de bens e serviços
públicos de titularidade de outros entes federativos.

 

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União não pode requisitar
seringas e agulhas que já foram contratadas pelo Estado-membro para o plano
estadual de imunização e que ainda estão na indústria, apesar de já terem sido
empenhados

É incabível a requisição administrativa, pela União, de bens
insumos contratados por unidade federativa e destinados à execução do plano
local de imunização, cujos pagamentos já foram empenhados.

A requisição administrativa não pode se voltar contra bem ou
serviço de outro ente federativo. Isso para que não haja indevida interferência
na autonomia de um sobre outro.

STF. Plenário. ACO 3463 MC-Ref/SP, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgado em 8/3/2021 (Info 1008).

Artigo Original em Dizer o Direito

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