Prescrição

Se um direito é violado, o titular deste direito passa a ter
a pretensão de buscar judicialmente a reparação do dano (de forma específica ou
pelo equivalente em dinheiro).

Essa pretensão, contudo, deve ser exercida dentro de um prazo
previsto na lei. Esgotado esse prazo, extingue-se a pretensão. A extinção dessa
pretensão pelo decurso do prazo é chamada de prescrição.

Isso está previsto no art. 189 do Código Civil, valendo, como
regra geral:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a
pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os
arts. 205 e 206.

 

A prescrição tem
como fundamentos a pacificação social
e a segurança jurídica. Se não
existisse prazo para o titular do direito exercer a sua pretensão, todas as
relações jurídicas seriam sempre marcadas pela incerteza e instabilidade,
considerando que um fato ocorrido há anos ou mesmo décadas poderia ser
questionado.

A prescrição está presente nos diversos ramos do
Direito, inclusive no Direito Administrativo.

 

Prescrição e atos de improbidade
administrativa

Os atos de improbidade administrativa, assim como
ocorre com as infrações penais, também estão sujeitos a prazos prescricionais.

Logo, caso o Ministério Público demore muito tempo para ajuizar a ação
de improbidade administrativa contra o responsável pelo ato ímprobo, haverá a
prescrição e a consequente perda da pretensão punitiva.

 

Qual é o prazo prescricional para a
propositura de ações de improbidade administrativa?

8 anos. É o que prevê o art. art. 23 da Lei nº 8.429/92:

Art. 23. A ação para a aplicação das
sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da
ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a
permanência. (Redação dada pela Lei nº 14.230/2021)

 

Exceção: ressarcimento ao erário em
casos de atos de improbidade praticados dolosamente

A Lei nº 8.429/92 prevê, em seu art.
12, uma lista de penas aplicáveis ao condenado por ato de improbidade
administrativa. São elas:

• perda dos bens ou valores acrescidos
ilicitamente ao patrimônio;

• perda da função pública;

• suspensão dos direitos políticos;

• pagamento de multa civil; e

• proibição de contratar com o poder
público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios;

 

O art. 12 afirma, ainda, que, além das penas
acima listadas, o responsável pelo ato de improbidade deverá ser condenado a
fazer o ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo.

Aí é que entra o ponto excepcional: enquanto
as penas acima listadas estão sujeitas à prescrição, o ressarcimento integral
do dano é imprescritível, se o ato de improbidade praticado foi doloso.

Foi o que decidiu o STF:

Tese fixada pelo STF

O STF fixou a seguinte tese para fins
de repercussão geral:

São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas
na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.

STF. Plenário. RE 852475/SP, Rel. orig. Min. Alexandre de
Moraes, Rel. para acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2018 (Info 910).

 

O fundamento para isso está no § 5º do art. 37 da CF/88:

Art. 37
(…)

§ 5º A lei
estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer
agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

 

Em sua
primeira parte, o dispositivo prevê que:

– a lei
deverá estabelecer os prazos de prescrição para ilícitos


praticados por qualquer pessoa (servidor ou não)

– que
gerem prejuízo ao erário.

 

Na segunda
parte, o constituinte disse o seguinte: não se aplica o que eu falei antes para
as ações de ressarcimento. O que isso quer dizer? Que a lei não poderá
estabelecer prazos de prescrição para tais ações, sendo elas, portanto,
imprescritíveis.

Assim, o
texto constitucional é expresso ao prever a ressalva da imprescritibilidade da
ação de ressarcimento ao erário.

Vale ressaltar que,
segundo a interpretação do STF, a imprescritibilidade só vale para os atos
doloso de improbidade. Assim, podemos fazer a seguinte distinção:

Ação de
reparação de danos à Fazenda Pública

decorrentes
de ilícito civil

é
PRESCRITÍVEL

(STF RE
669069/MG).

Ação de
ressarcimento decorrente de

ato de
improbidade administrativa praticado com CULPA

é
PRESCRITÍVEL

(devem
ser propostas no prazo do art. 23 da LIA).

Ação de
ressarcimento decorrente de

ato de
improbidade administrativa praticado com DOLO

é
IMPRESCRITÍVEL

(§ 5º do
art. 37 da CF/88).

 

Feita essa revisão, imagine
agora a seguinte situação hipotética:

O Ministério Público ajuizou ação de improbidade contra
João, ex-prefeito, imputando-lhe a prática do ato tipificado no art. 9º, I, da
Lei nº 8.429/92:

Art. 9º Constitui ato de improbidade
administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática
de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do
exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas
entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

I – receber, para si ou para outrem,
dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou
indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem
tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por
ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

(…)

 

O juiz constatou que já havia se passado o prazo
prescricional e, em razão disso, proferiu sentença extinguindo o processo com
resolução do mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC:

Art. 487. Haverá resolução de mérito
quando o juiz:

(…)

II – decidir, de ofício ou a
requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

 

O magistrado afirmou, na decisão,
que eventual ressarcimento ao erário deveria ser postulado em ação autônoma.

 

Agiu corretamente o juiz?

NÃO.

A Lei nº 8.429/92 autoriza que o
autor da ação de improbidade requeira ao juiz a aplicação das sanções previstas
no art. 12 e, de forma cumulativa, o ressarcimento integral dos danos causados
ao erário. Nesse sentido:

Mostra-se lícita a cumulação de pedidos de natureza
condenatória, declaratória e constitutiva nesta ação, quando sustentada nas
disposições da Lei nº 8.429/92.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.660.381/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 26/11/2018.

 

Partindo de tais premissas, o STJ
construiu jurisprudência no sentido de que “a declaração da prescrição das
sanções aplicáveis aos atos de improbidade administrativa não impede o
prosseguimento da demanda quanto à pretensão de ressarcimento dos danos
causados ao erário” (STJ. 1ª Turma. REsp 1.331.203/DF, Rel. Min. Ari
Pargendler, DJe de 11/04/2013). No mesmo talante:

É prescindível a propositura de ação autônoma para pleitear
ressarcimento ao erário, mesmo que já estejam prescritas as penas referentes à
prática de atos de improbidade.

STJ. 2ª Turma.
REsp 1.732.285/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 21/11/2018.

 

É plenamente cabível a ação civil pública por improbidade
administrativa, para fins exclusivos de ressarcimento ao erário, mesmo nos
casos em que se reconhece a prescrição da ação quanto às outras sanções previstas
na Lei nº 8.429/92.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.304.930/AM, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe
de 28/08/2013.

 

Tese fixada:

Na ação civil pública por ato de
improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear
o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as
demais sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92.

STJ.
1ª Seção. REsp 1.899.455-AC, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em
22/09/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1089) (Info 710).

Artigo Original em Dizer o Direito

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